Sunday, January 29, 2012

receita integral

um pouco de tudo, de tudo um pouco. mas nada à trouxe-mouxe, porque na vida, como na gastronomia, a ordem das misturas altera o sabor. do tudo para o pouco, exige-se sabedoria. do pouco para o tudo, estômago(originalmente publicado no misterwalk.blogspot.com)

Saturday, January 21, 2012

simples é melhor. mas brasileiro gosta de se exibir, de pagar mais caro

para abrir a ementa em nossa volta, escolhemos publicar a entrevista dada por apicius a veja em 28/04/99. se você cogitou que estamos a servir um prato requentado, lamentamos informar que é um ledo engano. os pontos de vista e a agudeza de apicius estão mais atuais do que nunca, principalmente no momento em que a gastronomia sofre de uma avacalhação sem tamanho, como de resto em tudo que o espírito brasileiro da esperteza põe a mão. "as duas décadas de agonia e glória" em que avaliou restaurantes, equivaleriam hoje a duas semanas de horror, sem glórias. certamente, apicius iria precisar de muito estômago e muita acidez para demolir o falso bom gosto que se instalou de vez as mesas do país, e em muito disso abalisado por falsos connaiseurs.


"Durante 22 anos, o crítico gastronômico Apicius, do Jornal do Brasil, assombrou os donos de restaurante do país. Com sua pena elegante, mas impiedosa, arrasava ou promovia as casas por onde passava. Escondido por trás do pseudônimo – homenagem a um glutão romano do tempo do imperador Augusto –, o crítico flanava pelos restaurantes sem ser reconhecido. Numa festa, chegou a conversar animadamente com o dono de um estabelecimento que tinha desancado na sua coluna. Quando o empresário descobriu de quem se tratava, deu um escândalo. A misteriosa identidade de Apicius só foi revelada aos quatro ventos há dois anos: é o jornalista Roberto Marinho de Azevedo, filho de família tradicional do Rio de Janeiro e acostumado desde criança ao prazer da boa mesa. Azevedo abriu seu segredo porque, com problemas de fígado e precisando submeter-se a uma dieta espartana, resolveu aposentar o crítico gastronômico. Hoje, aos 58 anos, Apicius mora entre o Rio e Paris e escreve crônicas sobre temas diversos. Na sua mais recente temporada carioca, ele contou a VEJA alguns truques para orientar quem gosta de comer fora(virginie leite, foto de oscar cabral).
 

Veja – O que o crítico gastronômico observa quando chega a um restaurante pela primeira vez?
Apicius – Ele sente no ar, no serviço, na atenção que os garçons dão se o restaurante é bom. Cardápios pretensiosos indicam se o restaurante está jogando com as palavras ou investindo na comida. Mas não tem uma regra. O local pode até ter uma entrada ruim, não ser muito limpo, e a comida ser muito boa.
 
Veja – Limpeza não é pré-requisito para uma boa comida?
Apicius –Nem sempre. Alguns restaurantes são limpos e não fazem boa comida, enquanto outros não são um primor de limpeza e servem uma comida deliciosa. A primeira cozinheira que eu tive era de mão-cheia, mas quando entrei pela primeira vez na cozinha quase caí para trás. Tinha gordura para todos os lados, pratos empilhados, um horror. Como a comida era uma maravilha, continuei com ela.
 
Veja – Existe algum truque para saber se um restaurante desconhecido tem ou não boa comida?
Apicius – A melhor maneira de escolher um restaurante é seguir a indicação de algum amigo que já foi lá e ficou satisfeito. Na França, a primeira coisa que eu faço é perguntar às pessoas onde posso comer bem. Os franceses dão ótimas dicas porque eles não ligam para encenação nem para luxo. Para comer bem, você não precisa de porcelana inglesa, talher de prata, garçom de casaca. O brasileiro fica muito impressionado com esse tipo de encenação.
 
Veja – É por isso que os restaurantes brasileiros são tão caros?
Apicius – Brasileiro gosta de se exibir, gosta de pagar mais caro que o necessário. Em Paris, os restaurantes são mais baratos porque os consumidores querem pagar o preço justo.
 
Veja – Na França, come-se bem em qualquer lugar?
Apicius – Isso era assim até pouco tempo atrás. Agora, com o turismo, pode-se comer muito mal em Paris. O turista aceita qualquer coisa, o que tem conseqüências desastrosas. Um crítico gastronômico francês escreveu um artigo sobre o que estava sendo vendido como escargot em alguns restaurantes franceses. Era um pedaço de gordura com muito, muito alho e temperos. Não tinha nada de caramujo. Uma nojeira.
 
Veja – Como as pessoas podem proteger-se desse tipo de golpe?
Apicius – Se você está num país estrangeiro e não conhece nada, o melhor é procurar um restaurante que esteja cheio. É uma referência universal. Se ele está cheio, em geral, é bom. Mas tem de estar cheio de pessoas do lugar, e não de turistas.
 
Veja – E num restaurante brasileiro cheio, dá para confiar?
Apicius – Não. O restaurante pode estar cheio porque está na moda ou porque tem bons preços.
 
Veja – Pode-se acreditar em sugestão de maître?
Apicius – Só quando você conhece o maître. Em geral, não. Uma dica para saber se ele é ou não confiável é perguntar o que está bom naquele dia. Se ele fizer um ar superior e disser que está tudo bom, saia correndo ou então escolha algum prato que não vai fazer muito mal. Tudo nunca pode estar bom. Eu adorava ir a um restaurante bem simples do Rio beber chope e comer miolo, que é uma delícia, mas só está bom quando é do dia. Como conhecia os garçons, eles me avisavam quando eu podia comer e quando o prato era de dois dias antes. Mas isso é a exceção e não a regra.
 
Veja – Por que não pode estar tudo bom?
Apicius – Os restaurantes têm um cardápio muito grande e não podem dar vazão àquilo tudo. Há pratos que ficam de um dia para o outro. Hoje, os cardápios são menores, mas mesmo assim a matéria-prima vai apodrecendo se não tiver saída. Os restaurantes de alta rotatividade têm mais possibilidade de ser bons porque consomem com rapidez o que compram.
 
Veja – Adianta reclamar de uma carne que foi pedida ao ponto e veio malpassada ou de um vinho que está com gosto ruim?
Apicius – Na França, quando você reclama com razão, eles não discutem. Se o vinho não está bom, o garçom prova e troca na hora. Aqui no Brasil, não adianta muito reclamar.
 
Veja – É falta de educação dividir um prato num restaurante?
Apicius – Freqüentemente, eu divido o prato. As porções são muito grandes e eu não como muito. Outra coisa que gosto de fazer é pedir dois pratos e dividir os dois, pois assim posso provar comidas diferentes. Não vejo nenhum problema.
 
Veja – Pedir para levar as sobras da comida para casa é cafona?
Apicius – De jeito nenhum. Não gosto de ficar carregando gordura na mão, mas, para quem tem cachorro, não levar os restos é uma falta de humanidade.
 
Veja – É chique cozinhar e entender de gastronomia?
Apicius – É chique e chato. As pessoas falam o tempo todo de comida e, o pior, de vinho. Hoje em dia, não se pode beber um vinho em paz porque alguém sempre quer contar a história dele. O que era para ser uma coisa natural vira uma espécie de conferência da Academia Brasileira de Letras. Falar de comida virou mania no mundo ocidental. A gastronomia está na moda, dá dinheiro. Todo mundo quer falar de comida, todo mundo quer entender de vinho e todo mundo quer emagrecer.
 
Veja – Isso não é uma contradição?
Apicius –É uma burrice.
 
Veja – O chef francês Paul Bocuse disse, há alguns anos, que comer bem e fazer regime são duas coisas incompatíveis. O senhor concorda com ele?
Apicius –A gente pode comer de tudo, mesmo gordura e fritura, dentro de uma medida razoável. Não dá para comer um porco inteiro ou feijoada todo dia, mas um pouquinho de vez em quando não tem problema. É a diferença entre o gourmet, que come bem e comedidamente, apreciando o sabor da comida, e o gourmand, que devora o que vê pela frente. É possível deliciar-se com a comida sem se entupir. Mas também não faz sentido só comer alface para não engordar. O homem não é herbívoro.
 
Veja – Para quem tenta enquadrar-se no padrão de beleza atual, quase anoréxico, comer carne de porco já não virou um pecado?
Apicius –Tem uma amiga minha que, antes de chegar o prato à mesa, diz: "Ih, como eu vou engordar!" Realmente, a sensação de pecado passou para a mesa, o que pode até aumentar o prazer de comer, já que todo mundo gosta do que é proibido. Hoje, as pessoas não acreditam mais em Deus, mas crêem em dieta, regime, ginástica e corpo. É uma heresia como outra qualquer.
 
Veja – Para quem não tem pretensão de se tornar um enólogo mas quer aprender a diferenciar um bom e um mau vinho, que dica o senhor daria?
Apicius –Para conhecer vinho, é preciso beber com atenção e beber sempre. No Brasil, é muito difícil você conhecer vinho porque o clima não ajuda. Só conhece vinho quem bebe no almoço e no jantar, desde criança. Também é possível fazer cursos de vinho, mas o principal é prestar atenção. Como em tudo na vida. Se o sujeito passa por uma paisagem lindíssima e está pensando na morte da bezerra, não vai desfrutar aquela paisagem.
 
Veja – As pessoas comem sem prestar atenção?
Apicius –Quase todo mundo come apenas para se entupir, não sente o sabor. Mesmo com esse boom da gastronomia, as pessoas continuam levando o garfo à boca sem apreciar a comida, porque moda é uma coisa que pega a superfície da pele, não muda tanto as pessoas.
 
Veja –É possível apurar o gosto com o tempo?
Apicius –Na literatura, o sujeito começa lendo o que lhe cai às mãos. Depois de certo tempo, já não se satisfaz com qualquer coisa. Vai ficando mais exigente. Mas é bobagem começar a ler o que há de mais requintado se o sujeito não é requintado, não tem capacidade para apreciar aquilo. Com a comida, acontece a mesma coisa.
 
Veja – Em mais de vinte anos de crítica gastronômica, o senhor comeu mais vezes bem ou mal?
Apicius –Eu já comi muito mal. Se fosse fazer um balanço, diria que comi mais mal do que bem. Isso era um problema. Eu já conhecia os bons restaurantes, sabia qual era o prato bom e tinha vontade de voltar aos mesmos lugares, mas não era isso que interessava ao leitor. Ele queria alguém que se arriscasse por ele. Os críticos gastronômicos deviam receber um salário-risco.
 
Veja – Então, come-se mal no Brasil?
Apicius –No Brasil, é muito fácil você empulhar as pessoas. É um país de mitos. Os restaurantes colocam no cardápio um faisão com três molhos e vendem como um prato fantástico, mas não sabem preparar nem o faisão nem os molhos.
 
Veja – Isso é defeito da culinária brasileira?
Apicius –A nossa culinária é riquíssima, tem qualidade e variedade. A cozinha do Nordeste e a do Norte são maravilhosas. Mas o brasileiro não dá valor à comida nortista. É difícil encontrar um bom restaurante de comida do Pará, e lá tem coisas deliciosas. Acho que a comida nortista é a mais brasileira de todas. A nordestina tem grande influência africana e a do Sul é mais européia.
 
Veja – As culinárias chinesa, japonesa, indiana e tailandesa disseminaram-se por diversos países. Por que a comida brasileira não faz tanto sucesso no exterior?
Apicius – A comida brasileira não é facilmente exportável. Os pratos típicos são muito pesados, como a feijoada. Não dá para fazer um restaurante só com feijoada, vatapá e moqueca, porque essas comidas não são para todo dia, ninguém agüenta comer muito. A boa comida brasileira é a feita em casa: o ensopadinho de quiabo, a carne-seca com abóbora. Mas isso não tem graça vender no estrangeiro. Além disso, um restaurante que servisse comida nortista, por exemplo, não ia se sustentar porque teria de importar pirarucu, não encontraria os ingredientes necessários em outro país. Já a comida chinesa, a tailandesa e a vietnamita são fáceis de reproduzir no exterior. Na China, tudo que tem quatro pernas e não é mesa se come. Então, em qualquer país é possível reproduzir a culinária chinesa. A comida japonesa é à base de peixe cru, e a técnica está no corte do peixe. É fácil de fazer e de comer. É uma comida para todos os dias da semana, leve, que não enjoa.
 
Veja – E o churrasco, não é exportável?
Apicius – Churrasco não é um prato, é um hábito. Não se pode tratar o churrasco como culinária. Para fazer, basta ter uma boa carne e uma grelha.
 
Veja – Por que há tantos grandes chefs de cozinha nordestinos brilhando em restaurantes de culinária italiana ou francesa?
Apicius – Os nordestinos, principalmente os cearenses, têm um espírito de assimilação grande, reproduzem tudo. Mesmo sem nunca terem experimentado pratos sofisticados na infância, eles têm a inteligência e a capacidade de assimilar coisas novas. São que nem alguns diplomatas brasileiros que falam francês e inglês melhor que os nativos da terra.
 
Veja – Existe uma eterna rivalidade entre a cozinha francesa e a italiana. Qual das duas está vencendo a disputa?
Apicius – A francesa é a grande cozinha. Mas no Brasil, até pela influência dos imigrantes, a cozinha italiana é melhor.
 
Veja – Como está a culinária francesa hoje?
Apicius – A cozinha francesa já passou por extremos. A tradicional era pesada, gorda, indigesta. Depois entrou a nouvelle cuisine, com aquela cozinha seca, estilo João Cabral de Melo Neto, e o máximo passou a ser um filezinho em cima de meia clara de ovo com um quarto de trufa. Hoje, a cozinha francesa é mais leve, chegou a um meio-termo. Os restaurantes antigos estão na mão de cozinheiros jovens, com boa formação, e o resultado é uma cozinha de tradição renovada.
 
Veja – A arte culinária muitas vezes é confundida com requinte. A cozinha popular tem algo a ensinar?
Apicius – O prato que as cozinheiras fazem para elas é sempre melhor do que o seu. É uma comida simples, aproveitada, mas em geral é uma delícia. Cada vez eu gosto mais das coisas que tenham o gosto das coisas, com menos tempero, menos sofisticação. Uma comida simples é uma delícia. Um peixe fresco feito no sal grosso não exige técnica nenhuma. É só passar sal grosso e colocar no forno. Mas a simplicidade exige qualidade. Tem de usar matéria-prima de primeira. Alguns restaurantes exageram no tempero para disfarçar o gosto de uma carne não muito fresca. Esse tempero passa a ser que nem o perfume dos franceses que não tomam banho.

Friday, January 20, 2012

após um longo jejum

estamos voltando com uma nova receita editorial. enquanto isso, beba água(ainda faz parte do jejum)