Saturday, February 18, 2006

não é no filé que está o gato por lebre. é no madeira.

Mesmo com o crescimento da cultura do vinho entre nós, o conceito popular do vinho quanto mais velho melhor', embora errado, ainda prevalece. Até os que sabem têm dúvidas sobre a vida útil de uma garrafa, qual sua evolução e o ponto certo de tomar. Não é fácil definir, pois há muitas variáveis a considerar como a uva, a região, a safra, teor alcoólico, acidez, o produtor, a conservação da garrafa, etc. De uma forma geral, brancos secos leves devem ser tomados jovens enquanto que alguns, de variedades mais robustas, ganham com algum tempo de garrafa; com os tintos dá-se o mesmo: vinhos comuns não servem para guardar e somente grandes vinhos melhoram com o envelhecimento controlado. Com certeza porém, muito distante de quaisquer outros pela longevidade são os vinhos doces. Entram nessa categoria os vinhos fortificados e os de sobremesa. Mas até quando podem ser guardados e bebidos com prazer?

Na melhor das hipóteses alguns falam com certa relutância em vinte ou trinta anos. Se alguém falar em mais de 200 anos com certeza vão achar que é brincadeira. Pois bem, esse é o caso de um dos vinhos fortificados mais famosos do mundo, o Madeira. Há alguns anos, madeirófilos abriram uma garrafa da safra 1779 - ano em que Napoleão tinha apenas 10 anos e Beethoven 9. Por incrível que pareça, o vinho estava eraordinariamente bom. Na opinião deles, 'tinha ainda um pouco de agressividade da juentude'. Como isso é possível? Os vinhos Madeira são fortificados, ou seja, recebem a adição de aguardente vínica durante o processo fazendo elevar seu teor alcoólico. Esse fato - desta vez o conceito popular de 'conservado em álcool' se aplica - mais altas taxas de açúcar e acidez contribuem para que ele se torne quase imortal.

Por serem extremamente longevos melhoram com o tempo, medido não em anos, mas em séculos. Se na garrafa duram quase infinitamente, depois de abertas, vários meses. São vinhos complexos, intensos e memoráveis. Devido à essa condição de melhorar na garrafa ao longo do tempo sem praticamente limites, dizem que vinhos de 100, 200 anos não podem ser comparados aos mesmos engarrafados hoje, ainda que depois de 10 ou 20 anos envelhecendo em tonéis. O fato é que vinhos Madeira raros, alguns do século 18, ainda se encontram à venda em leilões e lojas especializadas no exterior. Eles sempre foram muito apreciados e considerados de grande requinte nas cortes européias do século 19, pois eram também usados como perfume no lenço das mulheres.

Vinhos antigos como esses ainda tem aromas ricos, sedutores e doçura para equilibrar com sua acidez. Os anteriores à metade do século 19, principalmente das uvas Terrantez e Malmsey não se comparam a nenhum outro vinho pelo aroma intenso e prolongado de frutas secas, acidez elevada, untuoso, rico, potente e complexo buquê com predomínio de amêndoas torradas e persistente retrogosto. Para os amantes do vinho, degustar uma taça de qualquer Madeira dessa idade seria uma experiência inesquecível. Pena que os bons vinhos Madeira recentes, embora sem a fama dos seus antepassados sejam hoje mais conhecidos como ingrediente (e ainda assim não autêntico) do 'filé ao molho madeira' do que um vinho fino feito para beber como era feito no passado.

madeira, o vinho imortal, por ennio federico

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